A poeta canadiana Anne Carson escreve um poema sobre um sono agitado.
“Afundou-se na cama e esticou-se ao comprido. Lágrimas correram para as orelhas durante uns instantes
e depois não correram mais.
Tinha ido mesmo ao fundo. Sentia-se magoado mas puro apagou a luz.
Adormeceu instantaneamente.
A raiva acordou o idiota vermelho às três da manhã ele tentava respirar de cada vez que levantava a cabeça ela pesava-lhe
novamente como uma alga contra uma praia dura e negra. Gerião levantou-se subitamente.
O lençol estava ensopado.
Acendeu a luz. Olhou o ponteiro deslizante do relógio eléctrico
na cómoda. O seu zunido seco
moia-lhe os nervos como um pente. Forçou-se a olhar para o lado. A porta
do quarto abria-se para ele negra como uma fechadura
O cérebro sacudia-se como um mau projector de slides. Ele viu a porta
a casa a noite o mundo e
no outro lado do mundo algures Héracles rindo bebendo metendo-se
num carro a todo o corpo
de Gerião formou um grito em aço – lançando ao ar nesse hábito, o hábito humano
do amor”
in Anne Carson, Autobiografia do Vermelho, Traditore não (edições) 2017