Margarida Gaspar de Matos, Psicóloga Clínica e da Saúde, Psicoterapeuta (OPP) e Professora Catedrática da Universidade de Lisboa, na Faculdade de Motricidade Humana e no Instituto de Saúde Ambiental, escreve um artigo para o iSleep sobre o sono nos tempos difíceis que se vivem face à Pandemia Covid-19.
“Estamos há mais de um mês confinados em casa e a questão teórica (porque não temos ainda estudos disponíveis) é o impacto deste distanciamento social na qualidade de sono das famílias, em particular dos adolescentes, em particular das mulheres.
Vamos dividir a questão em duas partes, ambas com amplos efeitos na qualidade do sono:
O sono e a inquietação face ao COVID-19
Esperaríamos nos adolescentes alguma inquietação pelas aulas, notas e avaliações, bem como alguma inquietação face ao distanciamento dos amigos e das atividades de lazer habituais fora de casa, sobretudo pela incerteza do “até quando”!
Esperaríamos alguma inquietação por parte de homens e mulheres face à sua saúde, à saúde dos filhos e dos familiares mais velhos. Alguma inquietação face ao seu futuro e ao do seu trabalho e da sua condição económica, e para as mulheres ainda a “carga mental de trabalho de planeamento”.
Esperaríamos alguma inquietação dos mais velhos face à possibilidade de contágio, à possibilidade de necessitarem de uma hospitalização, à sobrecarga que constituirão face aos filhos ou, no confronto com um grande isolamento social e precaridade.
Será de prever alterações de sono, embora a nossa resiliência colectiva nos possa vir a surpreender.
O sono e outras rotinas da saúde familiar
Em tempo de confinamento em casa, esperaríamos:
- Um aumento do uso de substâncias psicotrópicas nos adultos (e talvez a sua diminuição nos adolescentes),
- Em geral uma má nutrição para todos (apesar de ser uma ocasião única para pôr em prática ementas saudáveis),
- Um aumento dos comportamentos sedentários,
- Um aumento do abuso do tempo de ecrã (computador, televisão e telefone)
- A possibilidade de aumento de conflitualidade /violência, e de exposição à violência.
- A possibilidade de agravamento de patologias anteriores, físicas e mentais.
- Por outro lado, embora tentando manter uma rotina de acordar/ deitar, poderá esta tornar-se mais respeitadora dos ritmos circadianos, uma vez que se permite alguma flexibilidade, de uma hora a mais ou a menos, nos horários de acordar e deitar.
Também a nível do sono este é um tempo de desafio. Vamos aproveitar para tomar conta dele:
- Manter rotinas, inovar, criar novos focos de interesse e manter os interesses anteriores possíveis na circunstância.
- Manter baixa uma conflitualidade em casa, gerindo tempos em comum e tempos de recolhimento individual, tempos de trabalho/ estudo e tempos de lazer.
- Manter a atividade física possível.
- Tentar inovar e manter uma alimentação em família mais cuidada, incluindo fruta, vegetais e fibras, baixo teor de açucares refinados, sal, gorduras e alimentos processados. Deve também evitar-se comer demais, estamos menos activos.
- Evitar um abuso de tempo de ecrã, seja o computador, o telefone ou a televisão.
- Manter-se atualizado, mas evitar acesso continuado às notícias sobre a pandemia.
- Quando a ansiedade aperta, tentar focar no que se pode fazer (consultar aqui e praticar: http://www.fmh.ulisboa.pt/pt/noticias/fmh-e-noticia/item/7740-apoio-psicologico)
Todas estas questões têm um enorme impacto na vida das famílias, nas rotinas e culturas familiares, perturbando o “sono da família”. Agora que estamos” confinados” se calhar damos mais por isso, mas podemos inovar-nos e tentar superar-nos.
O sono, por ter um impacto óbvio no funcionamento diário e nas capacidades de aprendizagem, deve também ser abordado na educação para a saúde nas escolas, na vertente da sua fisiologia, das suas características, dos seus benefícios, das determinantes da sua qualidade, nas consequências da sua falta de qualidade, e mesmo no seu contributo para a equidade de género. Tudo isto através de mensagens adaptadas ao desenvolvimento psico-social dos alunos, desde os primeiros anos da escola. Que tal começar desde já?”